Débora: da cela ao colo dos filhos
- Gi Palermi
- 28 de mar.
- 3 min de leitura
Dois anos. No calendário da vida, é tempo suficiente para um filho aprender a ler, para um jardim florescer e murchar, para um coração perder a esperança. Para Débora Rodrigues dos Santos, foi o tempo da escuridão. Tempo de angústia, lágrimas e um silêncio sufocante entre grades frias e indiferença.
Débora não roubou, não matou, não armou nenhum plano mirabolante para desestabilizar a frágil democracia brasileira. Seu “crime” foi, no calor do momento, escrever com um batom vermelho a frase “Perdeu, mané” na estátua "A Justiça", que repousa em frente ao Supremo Tribunal Federal no fatídico 8 de janeiro de 2023. Uma mãe, uma trabalhadora, uma cabeleireira que jamais imaginou que um ato impensado pudesse arrastá-la para um calvário jurídico interminável. Mas arrastou. E sem julgamento, sem sentença, sem provas que justificassem sua punição, ela passou dois anos longe do que mais amava: os dois filhos.
O julgamento de Débora já havia começado. Dois dos cinco ministros da Primeira Turma do STF já haviam votado pela sua condenação a 14 anos de prisão em regime fechado, além de uma multa coletiva de R$ 30 milhões pelos danos causados ao patrimônio público. Uma pena desproporcional para uma ação que, embora repreensível, não justificaria tamanha severidade.
Hoje (28.mar.2025), pela primeira vez desde que foi arrancada da sua vida, Débora volta a ter esperança. O Procurador Geral da República, Paulo Gonet, recomendou a prisão domiciliar enquanto aguarda o julgamento e, surpreendentemente, Alexandre de Moraes acatou o pedido. Sim, o mesmo Alexandre de Moraes que, implacável e insensível, vem usando o Supremo Tribunal Federal como um tribunal de exceção contra cidadãos comuns que ousaram contestar o sistema.
A prisão preventiva de Débora não era apenas uma injustiça, era um sintoma de algo muito maior e mais assustador: o uso da justiça como arma política. O Código de Processo Penal estabelece que a prisão preventiva é uma medida excepcional, cabível apenas em casos de risco iminente à sociedade ou à instrução do processo. Qual risco representava Débora, além de sua condição de mãe, de trabalhadora e de brasileira que confiou nas instituições? Nenhum. Mas ainda assim, foi mantida atrás das grades, enquanto criminosos de verdade seguem soltos, muitos deles protegidos por aqueles que deveriam zelar pela lei.
Sua liberdade parcial, embora tardia, não é uma vitória da justiça, mas sim do clamor popular. Foi a voz das ruas, dos cidadãos que se recusaram a aceitar essa atrocidade, que forçou o sistema a dar um passo atrás. Mas que não nos enganemos: Débora ainda não está livre. E nem os outros que, como ela, foram vítimas de um STF que abandonou qualquer aparência de imparcialidade e passou a agir como inquisidor impiedoso de uma só parcela da população.
Débora voltará a sentir o cheiro dos filhos, a ouvir suas vozes sem a barreira de um telefone de presídio, a vê-los sem um vidro separando seus olhares. Mas enquanto ela aguarda julgamento, resta uma pergunta que ecoa nos corações de tantos brasileiros: quem julgará aqueles que, abusando do poder, a mantiveram presa por tanto tempo? Quem devolverá os anos perdidos? Quem responderá pelo abuso, pelo trauma, pelo sofrimento?
Débora abraçará seus filhos, mas a luta por justiça continua. E se há algo que essa história nos ensina, é que a liberdade, uma vez ferida, exige vigilância constante. Porque amanhã, qualquer um de nós pode ser a próxima Débora.
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