O batom, a estátua e a justiça cega
- Gi Palermi
- 21 de mar.
- 2 min de leitura
Débora Rodrigues dos Santos acorda, mais um dia na prisão. Mais um dia sem o cheiro dos cabelos dos filhos, sem o riso espalhafatoso das manhãs, sem o abraço apertado antes de dormir. Por quê? Porque um dia, no calor da indignação, empunhou… um batom.
O mesmo batom que pinta sorrisos e beijos foi transformado em arma. Vermelho como sangue, diziam. Inflamável como a fúria dos que decidiram que a tinta efêmera de um protesto vale mais do que uma mãe presente na vida dos filhos. Ela escreveu duas palavras – "Perdeu, mané" – e por isso perdeu sua liberdade.
A estátua, fria e inerte, foi lavada no dia seguinte. O batom escorreu pelo ralo, a cidade seguiu seu curso. Mas a Justiça, essa sim, foi gravada em pedra: 14 anos de prisão. Um tempo mais longo do que muitos criminosos violentos cumprem. Um tempo que, para seus filhos, é quase uma eternidade sem a presença materna.
Os que decidiram essa pena, será que dormem tranquilos? Será que olham nos olhos dos próprios filhos e sentem orgulho? O que dirão quando forem questionados sobre a proporcionalidade, sobre a humanidade, sobre o que realmente pesa mais na balança da justiça?
Não, não foi um crime hediondo. Não foi um atentado terrorista. Foi tinta sobre pedra, um grito silencioso que poderia ter sido apagado com um pano úmido. Mas preferiram apagar a liberdade de uma mãe, arrancando-a dos braços dos filhos, condenando-os também a uma sentença cruel e invisível.
O Brasil já viu depredações reais, destruições concretas, ataques violentos. Mas não foram punidos com o mesmo rigor. Por quê? Porque era Débora. Porque era um batom. Porque, talvez, as palavras tenham mais poder do que gostariam de admitir.
A estátua continua lá, incólume. O batom, lavado. Mas o eco dessa injustiça, esse não some tão fácil.
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