Como a KGB atuava no Brasil em pleno regime militar
- Gi Palermi
- 26 de mar. de 2022
- 17 min de leitura
Em plena ditadura militar, na década de 70, um homem em crise de consciência resolve dar com a língua nos dentes e entregar todo o esquema de colaboração entre a União Soviética e o Partido Comunista Brasileiro.

A reportagem que vai abaixo é a reprodução do que foi publicado no Jornal do Brasil de 3 de dezembro de 1972. Nela, nosso desertor identifica-se como “Agente Carlos” e, dias depois, apresentando provas documentais, revela sua identidade. Seu nome é Adauto Alves dos Santos, jornalista, membro do Comitê Central do PCB e figura muito próxima a Luis Carlos Prestes.
Adauto entrega um verdadeiro dossiê à imprensa, com documentos, nomes e a descrição detalhada das atividades ilegais de estrangeiros no Brasil, ou seja, agentes da KGB vivendo e circulando no Rio de Janeiro em pleno regime militar. Relata em detalhes como os comunistas eram financiados em grandes quantidades de dólar. O testemunho de Adauto é riquíssimo para a nossa história. Como de praxe, meia dúzia de marxistas o acusaram de ser um “Agente da CIA.” Assim, em troca da redenção dada à sua própria consciência, ele passa a ser alvo de uma campanha de difamação e vítima de um “câncer de estômago.”
Aqui vale o parenteses. No livro “Desinformação”, de autoria do General Ion Mihai Pacepa, desertor do serviço secreto romeno, é contado como vários dissidentes do regime de Moscou foram assassinados por envenenamento de substâncias radiotivas, como a Radu, capaz de desenvolver câncer em quem a ingerisse. Não há provas concretas para a origem da doença de Adauto, mas sobram suspeitas.
Vamos à publicação do Jornal do Brasil.
JORNAL DO BRASIL – Domingo, 3/12/72 – 1.° Caderno. p. 5
Agente do PCB denuncia subversão no Brasil
Um golpe comunista na Guatemala, a volta de Roberto Morena ao Brasil e as relações do Partido Comunista Brasileiro com a União Soviética, Cuba e com a América Latina, em geral, foram denunciados ao JORNAL DO BRASIL, numa entrevista secreta, pelo agente Carlos (ou Alcindo), que durante 20 anos militou ativamente no PC, sendo nos últimos tempos o braço-direito de Luis Carlos Prestes.
Com um câncer no estômago e animado pela recente publicação do caso da estudante gaúcha Judite Fasolini Zanatta, induzida numa universidade belga a defender uma tese cheia de ataques ao Brasil, Carlos (ou Alcindo) escreveu à direção do JORNAL DO BRASIL, dispondo-se a “denunciar com nomes, fatos e locais, toda a trama comunista em relação ao Brasil, bem como todas as maquinações do Movimento Comunista Internacional.”
CARTA
É a seguinte, na íntegra, a carta de Carlos:
“Li na edição de domingo, dia 19 do corrente, desse conceituado Jornal, a denúncia feita pela senhorita Judite Fasolini Zanatta, ficando muito feliz com a receptividade e acolhida que o assunto recebeu.
Essa matéria deu-me a coragem e a certeza necessárias de que, por maiores razões, as denúncias e dados que possuo para relatar terão, possivelmente, a mesma acolhida. Afianço-lhes que estou em condições de denunciar com nomes, fatos e locais, toda trama comunista em relação ao Brasil, bem como todas as maquinações do Movimento o Comunista Internacional, não podendo guardar comigo semelhantes coisas pelos motivos que explicarei posteriormente. Posso, contudo, adiantar que fui uma das figuras de tais acontecimentos, estando disposto a conceder uma entrevista em dia, local e hora que marcarei pelo telefone. Tomo essas precauções por questões de segurança, uma vez que nesse momento temo por minha vida. Para esse contato, usarei o seguinte código: me identificarei como Carlos, e o Sr., ao atender ao telefone, dirá apenas: sou amigo da verdade. Desde já agradeço.”
CARLOS
Carlos, 20 anos depois, subitamente descobre que o PCB — na intimidade chamado Partidão – é um antro de intrigas e vaidades pessoais, com gente de boa e má-fé, teóricos e aproveitadores, sobretudo aproveitadores. Seu alto nível de militância, conhecedor profundo do PCB e do MCI (Movimento Comunista Internacional), gozando de todos os privilégios e atenções junto aos figurões do Partido, Carlos sempre foi homem da inteira confiança de Prestes. Magro, bigodinho, óculos de lentes grossas, falante, Carlos tem 43 anos e uma vida pessoal complicada. O Partido não lhe deixou tempo para constituir uma família organizada como a de todo o mundo. Jornalista profissional, trabalhou na Folha de Minas e em alguns outros jornais do Rio e de Belo Horizonte. Mas o jornalismo era apenas a sua “frente legal.” Na verdade, nas últimos 20 anos não foi senão um profissional do Partido, e há pelo menos dez ou 12 anos atua na área Internacional, fazendo contatos com os Partidos comunistas estrangeiros, em especial na América Latina. — Durante todo esse tempo — diz ele — atuei ao lado de Luis Carlos Prestes, secretário-geral e chefe da Seção de Relações Exteriores do partido, e de Fued Saad, que respondia pelo setor de relações com os países comunistas, e em especial com agentes da KGB, que é, em outras palavras, a espionagem soviética.
Segundo Carlos, o Sr. Luis Carlos Prestes vive hoje em Moscou, para onde se transferiu em março do ano passado. Mora num confortável apartamento da Rua Gorki, com a mulher e os sete filhos. De suas janelas, pode ver o Kremlin e assistir aos desfiles militares. Dispõe de carro com motorista e interprete, gozando de grande prestígio junto à cúpula comunista.
— Já estive quatro vezes na União Soviética — disse — em missão oficial do Partido Comunista Brasileiro. Pude observar pessoalmente que o povo russo é desinformado, manietado, desapontado. O Estado controla tudo, e o descontentamento é abafado sob rígido aparelho repressor. Por isso creio que um homem deve saber tomar posições para mudar seu modo de vida, principalmente quando esse gesto visa, fundamentalmente, atingir interesses coletivos. Eu tomei a minha e desejo dedicar esta opção aos meus filhos. Agora, vamos aos fatos que me levaram a tomar esta atitude. Em primeiro lugar, causou-me enorme impacto a invasão da Tcheco-Eslováquia, em 1968, por tropas soviéticas, desmentindo claramente a ideia de que os partidos comunistas estrangeiros tinham liberdade para desenvolver seu próprio caráter e suas aspirações nacionais. Os soviéticos não podem tolerar isto e, mais uma vez, exerceram seu domínio usando a força militar. Olhei para meu próprio partido e para meus camaradas e vi que na divisão de opiniões que ocorreu naquela oportunidade, os membros do partido que se opunham foram segregados e a liderança dominada pelos soviéticos seguiu em frente, cegamente, aceitando a linha de Moscou. Naquele momento, quando senti que a maioria dos Partidos Comunistas apoiava o ataque militar, abafando o anseio de desenvolvimento independente e nacional de um povo, desiludi-me. Foi uma séria decepção. Os soviéticos não admitem que cada país desenvolva nenhuma ideia de caráter nacional e independente, não toleram nada que contrarie seus conceitos, seus propósitos Ideológicos e suas tentativas de dominar o mundo. Aqui no Brasil, quando da traiçoeira invasão ao território tcheco, muitos militantes que discordaram do ato de selvageria foram afastados do partido; outros, ficaram marcados pelos soviéticos, mesmo continuando nas fileiras partidárias como Roberto Morena, Armênio Guedes, Moisés Vinhas etc.
A Propósito do Sr. Roberto Morena, Carlos Informa que, transferido para Praga, sob pressão, por ter discordado da invasão à Tcheco-eslováquia, aquele líder pediu à Comissão Executiva do Comitê Central que lhe desse autorização para regressar ao Brasil.
KGB
— Em Moscou — continua Carlos — hospedado em hotel de alta categoria, destinado exclusivamente a dirigentes dos partidos comunistas de todas as partes do globo, fui procurado por agentes do KGB, o serviço de espionagem soviética, que desejavam recrutar-me como agente exclusivo para conseguir dados e materiais sobre assuntos políticos, sociais e econômicos do Brasil e de outros países ocidentais. Queriam, também, informações minuciosas a respeito dos partidos comunistas latino-americanos e de seus dirigentes. Tudo, evidentemente, em virtude do meu trabalho e acesso a essas organizações na América Latina. Imediatamente levei o assunto ao conhecimento de Prestes, que me aconselhou a não aceitar a proposta dos serviços de Inteligência da União Soviética, porque isso me sobrecarregaria e poderia prejudicar minhas funções como auxiliar do Comitê Central. O próprio Prestes se encarregou de abordar o problema com os russos. Isto se deu em 1970. No ano seguinte houve nova Investida, também em Moscou, e novamente Prestes, amparado pela Comissão Executiva do Partido Comunista Brasileiro, voltou a discordar. Novas escusas e explicações de ambos os lados. Na verdade, a intenção dos soviéticos era colocar-me como marionete, a seu serviço, dando toda prioridade às suas determinações em detrimento dos interesses do Partido no Brasil. Cheguei a essa conclusão porque, não obstante a negativa de Prestes, o KGB continuava a insistir, assediando-me a todo momento. As tentativas eram feitas sobretudo por telefone, e a pretexto de perguntar pelo Fued Saad, que se encontrava no Rio. O fato evidencia o propósito soviético de agir sempre à revelia da orientação dos partidos.
RELAÇÕES INTERNAS
Por ocasião do VI Congresso, em 1967, foi criada a Seção de Relações Exteriores do Comitê Central, e Luis Carlos Prestes, pessoalmente, passou a responder pelos destinos dessa seção perante o Comité Central e a Comissão Executiva, tendo sido destacado o médico Fued Saad, antigo profissional do Partido como segundo homem em termos de responsabilidade. Naquela mesma oportunidade, fui indicado para atuar no lado dos dois. Tempos depois, veio Juntar-se á Seção o jornalista Aluísio Santos Filho, com curso na Escola de Formação de Quadros Profissionais, sediada em Moscou
Segundo Carlos, a Seção de Relações Exteriores tinha o objetivo de manter contatos com Partidos de outros países, recebendo e mandando material de propaganda, trocando informações, recebendo emissários estrangeiros, mantendo correspondência com o exterior:
— Uma das incumbências mais categorizadas do Serviço de Relações Exteriores no Brasil — prossegue — era o contato com as representações do bloco socialista. O jornalista Aluísio Santos Filho, por exemplo, era incumbida de uma certa Embaixada, e Fued Saad era responsável pelos soviéticos. Diversas vezes sai com Fued Saad, dirigindo o meu carro, para fazer contato, com agentes soviéticos no Rio de Janeiro. Os locais variavam. Mas posso citar Praça Verduns, esquinas das Ruas Abatira e Agariba; a Rua Itacuruça, próximo à Rua Conde de Bonfim, na Tijuca. Na Zona Sul, registraram-se encontros nas esquinas das Ruas Barão da Torre e Montenegro. Nessas ocasiões, Fued Saad conduzia pacotes de material do Partido para os soviéticos dentro de uma pasta de couro grande e recebia de volta, igualmente, dentro de outra pasta de couro, enorme quantidade de impressos, livros. Jornais, etc. Às vezes, Fued Saad recebia envelopes contendo grandes somas em dólares, e inúmeras vezes o vi firmar recibos dentro do meu carro, ouvindo dele o comentário de que não gostava de estar correndo o risco de receber dólares daquela maneira. Os agentes soviéticos incumbiam-se de toda a segurança para esses encontros. Quando havia necessidade de um contato de emergência, os soviéticos, usando linguagem comercial ou bancária, chamavam-me pelo telefone de minha residência. Fued Saad, por sua vez, quando desejava falar com os russos, fazia um sinal com giz num poste da esquina da Rua Gago Continha com Marquesa de Santos. Várias vezes estivemos juntos cumprindo aquela missão. Por outro lado, para facilitar a chegada de dinheiro e material para os comunistas aqui no Brasil, os russos utilizavam os mais variados expedientes. Em contrapartida, quando na direção do Partido tinha Interesse em enviar alguma correspondência especial, particularmente para Prestes, era Fued Saad que fazia a entrega ao contato dos agentes. Tudo isto já era rotina, embora se fizesse sempre de modo muito cauteloso. Pessoalmente, cheguei a conhecer dois desses soviéticos que faziam contato com Fued Saad no Rio. Seus nomes: Nikolai Blagushin e Victor Yemelin, ambos pertencentes à Missão Comercial da URSS no Rio. Outro que fazia contato, não somente com Fued Saad mas com o próprio Prestes, era Orlov. Assim é que atua o KGB, valendo-se dos meios comerciais além e outros, como fachada para suas atividades. O serviço de espionagem da URSS usa não apenas os Partidos comunistas para seu trabalho, mas, também, todos os meios possíveis e imagináveis, em aberto, acinte á soberania das nações com as quais mantém relações.
— Na primavera de 1971, Victor Yemelin, um dos elementos da área de contato a que me referi — disse — submeteu-se a uma operação cirúrgica, ocasião em que os encontros foram suspensos temporariamente. Fued Saad, vendo-se em dificuldades para cumprir as tarefas dadas pela Comissão Executiva do Partido, pediu-me Para ir pessoalmente á Missão Comercial russa, na Rua Visconde de Albuquerque, para receber e transmitir algumas informações. Alegando razões de segurança, argumentei que não seria aconselhável a minha ida a esse local. Fued Saad concordou e sugeriu que falássemos com uma determinada pessoa, de certa empresa construtora da Guanabara, para essa tarefa. Essa pessoa faz parte da Seção de Negócios do Comitê Central do PCB. Abstenho-me de citar-lhe o nome por motivos de ordem pessoal.
INFORMAÇÕES
Segundo Carlos, o Partido incumbe-se, ainda, de colher informações de fontes diversas sobre os mais variados assuntos: recentemente, o KGB queria saber sobre investimentos franceses no Brasil; sobre atividades comerciais da França aqui, sobre a viagem do Presidente Médici aos Estados Unidos; informações sobre a visita de Ministros de Estado estrangeiros ao país, etc.
— Em troca desse trabalho — continua — o Partido se credencia para receber mais dinheiro e maior quantidade de material de propaganda. Aqui no Brasil, face à fiel identificação do PCB com o Partido Comunista da União Soviética, os agentes soviéticos procuram fazer tudo para ajudar financeiramente aos comunistas, utilizando os mais variados caminhos. Por exemplo: uma parte da comissão da venda de produtos brasileiros à URSS, através da Missão Comercial, é dada ao Partido. É comum, particularmente nas transações com café, que as firmas envolvidas paguem uma parte do seu lucro ao PCB.
SEÇÃO DE NEGÓCIOS
— Para coordenar esta atividade — disse — existe a Seção de Negócios do Comité Central. É composta, principalmente, de Marco Antônio Coelho e Humberto Lucena Lopes, ambos do Comitê Central. Também colabora Fernando Pereira Cristino, membro do secretariado do PCB. A Seção de Negócios envia emissários aos países do bloco socialista para o estudo de propostas comerciais.

Ultimamente, viajaram com esta finalidade Marco António Coelho, Humberto Lucena Lopes e ainda pessoa que pertence à construtora do Rio, a que aludi anteriormente. Em agosto do ano passado, eu mesmo, por determinação de Prestes, fui ao aeroporto de Moscou receber Humberto Lorena Lopes, que vinha de Budapeste em missão da Seção de Negócios do PCB. A Seção de Negócios funciona na Guanabara, mas Marco Antônio Coelho mora em São Paulo.
PRESTES
— Prestes, o secretário geral do Partido Comunista Brasileiro — continua — vive há mais de um ano em luxuoso apartamento, com todo o conforto. De Moscou, continua mandando ordens e falando dos “altos interesses” dos assalariados. Na época em que deixou o Brasil, em março do ano passado, tive que fazer uma viagem a Moscou, com grande risco pessoal, principalmente no Galeão, para levar ao chefe a documentação necessária do 24º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, previsto para aquele mês. Também levava contigo anotações pessoais que Prestes guardava há longo tempo, e que agora coordena, para escrever um livro.
Antes de viajar, Prestes comprou, em nome de pessoa de sua Inteira confiança, uma casa para seu uso pessoal. A casa fica na Estrada Rio Grande, 2470, em Jacarepaguá. O imóvel ficou sob a guarda de um casal, por tempo indeterminado, até que ele volte.
Carlos insiste muito em que a estrutura do Partido beneficia exageradamente os homens da cúpula. Enquanto o que ele chama “os militantes das bases” lutam com toda espécie de dificuldades:
— Hoje em dia — disse — é difícil encontrar um membro da Comissão Executiva que não tenha um carro adquirido pelo Partido para o desempenho de suas atividades. Os militantes das bases que se danem. Para a alta direção, todo o conforto, todo o privilégio, segurança e dinheiro à vontade. Para os membros da categoria inferior apenas promessas e conversa fiada. Anualmente, os soviéticos põem á disposição do partido 12 convites para descanso e tratamento de saúde em hotéis de luxo na URSS. Só uma elite escolhida a dedo pela direção tem direito a acesso a esses convites. Pessoalmente, fui beneficiado duas vezes, em virtude do grande empenho em agradar-me, por parte dos soviéticos, que desejavam transformar-me em agente da KGB, como já disse. Nessas viagens que fiz em gozo de férias, quase sempre no Mar Negro, nunca me encontrava com dirigentes de menor categoria.

O comum era a presença de dirigentes categorizados do Brasil e de outros países, o jornal Voz Operária, órgão oficial do partido, é um espelho de tudo isso que digo. Induz os leitores a cultuarem a pessoa de Prestes, mostrando-o sempre como mártir, e o próprio secretário-geral, em seus artigos coloca-se sempre em condição de vítima. Na verdade, o que existe é a preocupação da direção do partido na preservação de cargos e privilégios. Nada para o homem comum que eventualmente faz parte do partido.

“Quando de minhas viagens ao exterior — continua Carlos —, sempre deixei o país legalmente e com passaporte brasileiro e o meu próprio nome. A situação, no entanto, se modificava quando se tratava de viagem à União Soviética. A primeira medida que se tomava aqui era a comunicação de minha saída ao contato soviético, providência que ficava a critério de Fued Saad. Feito isto, o contato enviava mensagem codificada a Moscou, e da capital soviética seguia autorização para que em Paris me fosse dada permissão para ingressar na URSS. Eu, portanto, saía daqui com destino á capital francesa, onde entrava em contato com Georges Fournial, da Seção de Relações Exteriores do PC francês, que me apresentava ao Consulado da URSS em Paris.

A partir daquele instante, passara a identificar-me como Augusto Pereyra, de nacionalidade argentina, de vez que levava comigo um passaporte argentino, conseguido por Intermédio do PC da Argentina. No Consulado, era-me dado um visa em separado, isto é, fora do passaporte, para evitar o carimbo com o timbre característico da URSS. Tomadas essas medidas, pois tratava-se de caso especial, eu seguia de trem até Zurique ou Genebra, de onde tomava um avião, da Aeroflot para Moscou. Com essas providências, podia entrar e sair da Rússia com nacionalidade argentina.
FORMAÇÃO DE QUADROS
Na Escola de Formação de Quadros Profissionais de Moscou — militantes de vários países recebem instrução marxista-leninista, segurança e treinamento especial para a preparação de documentos falsos em seus respectivos países, desde que sirvam, evidentemente, aos interesses soviéticos. O PCB tem feito tudo para preencher as vagas a que tem direito, mandando, em média, 20 alunos por ano. A maioria desses militantes sai do Brasil pelas fronteiras da Argentina e do Uruguai, recebendo apoio dos Partidos Comunistas daqueles países. Os russos oferecem também bolsas-de-estudo para a Universidade Patrice Lumumba, onde estudam, quase que exclusivamente, filhos de membros do Partido, amigos e simpatizantes. Em geral, os candidatos indicadas pelo Partido são selecionados e, em seguida, seus nomes são encaminhados à Rússia. Tanto a Escola de Quadros como a Universidade Patrice Lumumba são usadas pelo KGB justamente visando o recrutamento de elementos para o trabalho de espionagem. Alguns dos candidatos à Universidade Patrice Lumumba fazem as viagens através de agências de turismo de confiança, e é difícil saber-se ao certo quantos brasileiros têm ido para a URSS com esse objetivo. Nos últimos 10 anos, cerca de mil candidatos passaram pela Patrice Lumumba. Quantas terão caído, vitimas do canto de sereia do comunismo e, especialmente, do KGB?
Comunistas armam golpe para tomar poder na Guatemala
O Partido Geral do Trabalho, da Guatemala, pretende por em execução, até fins de 1973, um esquema para derrubar, pela força, o Governo daquele país. A Informação foi dada a Carlos em junho deste ano por um dirigente do PGT — que é o Partido Comunista Guatemalteco. O dirigente Alvarado, conhecido como Vicente, informou que os soviéticos estão dando apoio e ajuda financeira ao PGT, estimulando a luta armada.
Segundo Alvorada, o PGT continua fortalecendo o trabalho militar através das chamadas Forças Armadas Revolucionárias. Para cada grupo de quatro membros do Partido, um atua no setor militar, objetivando a preparação de um esquema militar de alta escala tendo em vista o inicio de uma grande operação contra o Governo da Guatemala em fins de 1973. O Partido manda, em média, 10 homens por ano para treinamento na Rússia. Muitos desses profissionais da subversão encontram dificuldades para deixar o país em viagem para a Europa em razão de suas caraterísticas de homens simples. Mas, mesmo assim, com documentos e ajuda dos soviéticos, saem clandestinamente e chegam ao destino
— No meu último contato com o secretário-geral do PC do Peru, Jorge Del Prado, no ano passado — disse Carlos — ele me dizia que o partido estava indo muito bem nas relações com o Governo do Presidente Velasco Alvarado, pois para ganhar tempo e evitar maiores problema, o Governo peruano precisava manter essa posição. Para Jorge Del Prado, o partido se beneficiará, a médio e longo prazos, desta situação, porque aumenta sua influência no meio sindical. Apesar de tudo, no entanto, Del Prado tem certo receio de que o Governo do Peru mude de atitude em relação ao partido, e passe a controlá-lo mais de perto. Com o apoio que os países socialistas têm dado ao Peru, o que incentiva e melhora a posição do PC de Iá, é possível que o Governo peruano se incomode e queira agir contra os comunistas locais. Entretanto, se a situação perdurar por mais dois ou três anos, Del Prado entende que o Partido Comunista do Peru acabe por tornar-se forte bastante para “surpreender o Governo”, caso haja uma tentativa de repressão. O PCP tem ótima posição no meio sindical, na imprensa, nos meios militares e nas organizações chaves do Governo.
— Na Argentina, em 1971 — disse — Arnaldo Piñera (Pilo), encarregado do trabalho da Seção de Relações Exteriores do PC, informava que tinha feito um contato com o PC da Bolívia, linha soviética, tendo em vista um melhor trabalho de organização da luta contra o Governo Banzer. lsto é importante, porque é o PC da Argentina que serve de intermediário para os contatos entre os bolivianos e os soviéticos. Na mesma ocasião, Piñera me dizia que os Partidos da Bolívia e do Chile estavam preparando uma reunião dos Partidos do Cone Sul para dar todo apoio e solidariedade ao General Torres, que se encontrava, na época, exilado no Peru. Revelou-me também que o Partido Comunista da Bolívia lhe tinha informado das atividades que o major Sanchez, ex-comandante do Regimento Colorado na Bolívia, vinha tendo junto à Embaixada cubana no Chile. Os cubanos, de acordo com a informação de Piñera, estavam oferecendo toda sorte de colaboração a Sanchez, para organizar um trabalho de resistência armada contra o Governo do Presidente Banzer, mas o PC da Bolívia, consultado a respeito do assunto, estava relutando muito, em virtude dos fracassos cubanos verificados em 1966 e 1967 em território boliviano. Outro dirigente com quem conversei há pouco mais de um ano foi o secretário-geral do PC do Equador, Pedro Saad. Estivemos Juntos no Chile. Naquela oportunidade, Pedro Saad dizia que o Partido equatoriano tinha conseguido boa penetração no atual Governo do seu país, e que essa mesma informação ele havia transmitido aos soviéticos. Os soviéticos, porém, na tentativa de obter confirmação, fizeram sua própria pesquisa, através de pessoas infiltradas no Governo do Equador, e chegaram à conclusão de que, apesar da influência que dizia ter o secretário-geral do PCE, a verdade era bem outra.
Esse detalhe da versão soviética foi dado a Marco António Coelho, da Comissão Executiva do Comitê Central do PCB, quando do seu ultimo regresso da União Soviética, o que mostra, mais uma vez, que os soviéticos desconfiam, até mesmo, do secretário-geral de um partido de sua Inteira confiança.
— É interessante notar que, apesar de tentar destruir qualquer sombra de concorrência no terreno político-ideológico — disse — o Partido Comunista da União Soviética orienta os PCs do mundo inteiro no sentido de que te aproximem das organizações da esquerda radical. O objetivo é tirar delas o máximo de proveito e, depois, esmagá-las politicamente. No caso do PCB, quando se apercebeu de que o radicalismo estava afetando a sua segurança, decidiu a direção do partido instruir seus quadros para se infiltrarem nessas Organizações (VPR – ALN – MR-8 – VAR-Palmares – PC do Brasil, etc) para absorvê-las. O conflito existe, e a guerra entre eles não é pequena, como provam os fatos. Não foi à toa que os soviéticos e todo o movimento comunista controlado por Moscou bateram palmas com a morte de Che Guevara. No caso do Chile, onde o PC indubitavelmente exerce toda sorte de pressão no Governo Allende, os comunistas procuram desestimular a Unidade Popular (uma salada de Partidos), atingindo até mesmo o Partido Socialista que, paradoxalmente, é o Partido do Presidente do Chile. Após 20 anos de militância, com atuação nos últimos 10 anos na cúpula partidária, e minha experiência com outros partidos comunistas da América Latina, creiam-me, finalmente, que o comunismo é o maior engodo da História da Humanidade. Acredito que minhas experiências, externadas de maneira objetiva, sincera e espontânea, façam com que alguns setores da população analisem os fatos e não tenham mais Ilusões.
Carlos revela as táticas do PCB
As denúncias de Carlos ou Alcindo:
— O PCB faz, no momento, um esforço no sentido de infiltrar-se nas Forças Armadas brasileiras. É o chamado trabalho militar, sob a responsabilidade de um ex-militar, Dinarco Reis, que num exercício, enquanto na ativa, perdeu a mão num acidente com uma granada.
O objetivo é catequisar militares para a causa do PCB.
— A estratégia do PCB em relação à Igreja Católica no Brasil é a seguinte: “Utilizá-la em toda a sua estrutura e como um todo, e não apenas os chamados ‘progressistas’ (como vinha sendo feito anteriormente), aproveitando ao máximo os canais de penetração tradicionais, para com fachada cristã, difundir, sorrateiramente, o comunismo. Por exemplo: não interessa aos soviéticos se D. Helder Câmara é comunista ou não. O que interessa é que ele serve aos propósitos do comunismo.”
— O substituto de Prestes, no Brasil, hoje, e Giocondo Gorender Dias. Conhecido no PC como Neves, mora no Rio. Do Comitê Central.
— O Setor de Agitação e Propaganda está sob a chefia de Orlando Bonfim Jr. Conhecido como Jorge, mora em São Paulo. Da Comissão Executiva.
— Em Praga, como a representante junto à Revista Internacional, está David Capistrano da Costa. Membro do Comitê Central, conhecido como Enéas e Ribeiro.
— Em Paris, com o encargo de facilitar o trânsito de brasileiros para Moscou, serve Agliberto Azevedo, o Sá.
— Quando Agliberto Azevedo está ausente, os brasileiros são instruídos o procurar Georges Fournial, membro do Comitê Central de PC da França.
— Outra membro da organização em Paris é Simone Landreau, que, como Georges Fournial, é membro do PC francês. Ela ocupa, permanentemente o aparelho do PCB em Paris.
— Em Buenos Aires o contato é Armando Ziller, que usa o nome de José Gomes.
— No Estado do Rio, membro do Comitê de Organização do Comitê Central, está Antônio Ribeiro Granja.
— E outros: Fued Saad (Celso e Celso Sá), médico, 56 anos, chefe da Seção de Relações Exteriores, no momento preso, e Aluísio Santos Filho (Antônio Taborda e Paulo), da Seção de Relações Exteriores; Jaime Miranda, da Seção de Comissão Executiva, mora no Rio; Renato Cupertino Guimarães (Teixeira), Encarregado do Setor de Educação do Comitê Central, Vive entre o Rio e São Paulo; Estanislau Alkmin Magalhães, secretário particular e motorista de Prestes; Geraldo Rodrigues do Santos (Marcelo), Membro do Comitê Central, hoje Membro do Comitê Regional da Guanabara; Sebastião Vitorino, do Comitê Regional de Minas Gerais; e Hércules Correia, de São Paulo, Aristeu Nogueira, Moisés Vinhas, Adalberto Pereira.
— As atividades de propaganda devem sofrer bom impulso, nos próximos meses. O Partido pediu à União Soviética cerca de 280 mil cruzeiros para compra de equipamento moderno de impressão para o jornal Voz Operária.
— Cerca de mil jovens brasileiros passaram, nos últimos anos pela Universidade Patrice Lumumba, indicado pelo PCB.
— Há um esforço de aproximação do Partida Comunista de Cuba com o Partido Comunista Brasileiro.
— Dois brasileiros, Zuleika D’AIembert e seu marido, Armênio Guedes, estão no Chile, em Santiago, fazendo proselitismo junto aos jovens brasileiros que lá se encontram.
Por Terça Livre
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