Rachadinha premiada: confesse, pague e saia livre
- Gi Palermi
- 7 de mar.
- 3 min de leitura
Imagine um ladrão de galinhas. Não qualquer ladrão, mas um daqueles espertalhões que, ao invés de pular a cerca no meio da noite, convence o dono do galinheiro a lhe entregar as aves com um sorriso no rosto. Durante anos, ele encheu suas cestas com os ovos alheios, enfiando no próprio bolso o que deveria alimentar outros. Até que um dia, alguém resolve denunciar o malandro.
A polícia chega, investiga, encontra as penas espalhadas, os recibos de ração desviada, os rastros das garras sujas do bandido. A sociedade aguarda ansiosa: afinal, o ladrão de galinhas será punido? Ele será levado ao juiz, condenado pelo roubo descarado? Mas eis que, em vez disso, surge um personagem peculiar na história: o Procurador do Reino.
O Procurador olha para o ladrão, vê as provas, ouve a confissão e, ao invés de mandá-lo ao tribunal, lhe propõe um trato: “Que tal se, ao invés de punição, você devolver algumas moedas e todos seguimos como se nada tivesse acontecido?” O ladrão, que já havia feito a festa com as galinhas, aceita prontamente. Ele paga o equivalente ao preço de um punhado de ovos e sai assobiando, livre e sem nenhum arranhão.
A vizinhança, que esperava justiça, coça a cabeça. “Mas então, se eu roubar algumas galinhas e depois devolver algumas moedas, também fico livre?” A resposta, ao que parece, é: depende de quem você é e com quem você fala.
Essa é a parábola que explica o caso de André Janones. Indiciado pela Polícia Federal por rachadinhas – aquele esquema manjado onde políticos metem a mão no salário dos assessores –, o deputado não precisou enfrentar um juiz ou um julgamento. Bastou assinar um acordo com a Procuradoria-Geral da República e pronto: sem condenação, sem ficha suja, sem punição. Apenas um aperto de mãos e um acerto financeiro.
Janones comprometeu-se a devolver R$ 131,5 mil à Câmara dos Deputados e pagar uma multa de R$ 26,3 mil. O pagamento será feito em parcela única e 12 prestações. Sim, o crime foi parcelado sem juros, um verdadeiro “negócio da China” para quem deveria estar atrás das grades. Para completar a farsa, o acordo ainda precisa ser homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como se fosse necessária mais uma chancela para institucionalizar a impunidade.
O Brasil, mais uma vez, testemunha o espetáculo do faz de conta jurídico, onde o peso da lei não é o mesmo para todos. Se fosse um comerciante que sonegasse impostos, um trabalhador que atrasasse uma dívida, um cidadão comum que pegasse algo que não lhe pertence, a mão do Estado seria implacável. Mas para os amigos do poder, há sempre um jeitinho, um caminho alternativo, uma porta dos fundos.
O problema vai além do caso Janones. O que se abre agora é um precedente perigosíssimo: basta confessar, parcelar a devolução e pronto, segue-se a vida. Quantos outros parlamentares agora vão considerar a prática da rachadinha como um “bom negócio”, já que o risco é praticamente nulo? Em vez de punir, o sistema convida à repetição.
O que deveria acontecer? O nome de Janones deveria ser encaminhado à Comissão de Ética da Câmara para que sua conduta fosse avaliada e, comprovada a infração, ele fosse expulso do Parlamento. Isso demonstraria um compromisso real com a integridade e a responsabilidade no exercício do mandato. Mas o que vemos é exatamente o oposto: um deputado que comete crimes como peculato, corrupção passiva e concussão e sai ileso, enquanto quem paga a conta, como sempre, é o povo.
E assim segue o galinheiro Brasil. Enquanto os espertalhões riem, a moral pública desce pelo ralo, e a justiça, aquela senhora de olhos vendados, parece espiar por debaixo do pano para ver quem está diante dela antes de decidir o que fazer.
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