Manobra do Executivo trava reajuste do TFD
- Gi Palermi
- 30 de set.
- 4 min de leitura
Enquanto proposta de Rodrigo do Comercial Aeroporto aguarda votação há seis meses, gestão Robson-Bosco apresenta versão que só prevê reajuste a partir de 2026.
Mais uma sessão sem votação. Assim terminou a reunião da Câmara Municipal de Araxá nesta terça-feira (30.set.2025). A justificativa oficial veio do presidente Raphael Rios: cinco vereadores estariam ausentes e, segundo ele, o quórum reduzido poderia prejudicar qualquer deliberação.
Mas a conta não fecha. Ausências justificadas foram apenas quatro — Maristela Dutra, que participava em Brasília da 5ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres; João Paulo da Filomena, em curso de oratória parlamentar em Belo Horizonte; Roberto do Sindicato, em reunião sindical em Divinópolis; e Jairinho Borges, ausente por motivos de saúde. O quinto ausente, ao que tudo indica, estava fora do plenário no momento da abertura das votações.
Se o argumento do quórum já soou estranho, nos bastidores a interpretação ganhou outro tom. A decisão teria sido tomada porque, durante a sessão, o Executivo protocolou o Projeto de Lei nº 219/2025, tratando exatamente do mesmo tema que o Projeto de Lei nº 130 de 2025, de autoria do vereador Rodrigo do Comercial Aeroporto. A leitura corrente é que a administração Robson Magela e Bosco Júnior quis “dar o tombo” no parlamentar, substituindo sua proposta, que tramita há seis meses na Casa, por uma de iniciativa própria.
Projeto engavetado
O Projeto de Lei nº 130 de 2025 propõe reajustar de imediato os valores pagos no Tratamento Fora de Domicílio (TFD), benefício que ajuda pacientes a custear alimentação, transporte e estadia quando precisam se deslocar para tratamento médico em outras cidades.
Rodrigo do Comercial Aeroporto incluiu ainda um mecanismo de atualização anual pelo INPC, para impedir que o auxílio fique novamente congelado por anos. Entre os valores, a alimentação sem hospedagem subiria de R$ 8,40 para R$ 21,00; a diária simples, de R$ 24,75 para R$ 61,88; e a diária com hospedagem, de R$ 49,50 para R$ 70,75.
“Enquanto a Câmara se omite, pacientes com câncer recebem apenas R$ 8,40 para uma refeição. Isso não é apenas insuficiente, é desumano”, cobrou o vereador.
Ele lembrou que o projeto já foi aprovado em todas as comissões e que o Regimento Interno obriga a mesa a incluí-lo na ordem do dia, já que todos os prazos foram esgotados.
Resposta do Executivo
Durante a sessão, a administração Robson Magela e Bosco Júnior apresentou o Projeto de Lei nº 219 de 2025. O texto copia parte da proposta de Rodrigo do Comercial Aeroporto, mas com diferenças significativas: limita o reajuste apenas a alimentação e diárias, ignora o transporte, não prevê mecanismo de atualização automática e só entra em vigor em janeiro de 2026.
Na mensagem que acompanha o projeto, o Executivo reconhece a importância da medida, mas afirma que a iniciativa do vereador padece de “vício de origem” por criar despesa sem autorização do prefeito. Cita a Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal e até jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas para sustentar a tese.
Na prática, o discurso jurídico serve para empurrar a pauta e garantir que a marca do reajuste fique carimbada na gestão de Robson-Bosco, e não na de um vereador da oposição.
Sensibilidade do presidente
Raphael Rios defendeu a suspensão da votação alegando que, com dois projetos em pauta, seria preciso análise jurídica antes de decidir. Ao mesmo tempo, buscou demonstrar sensibilidade com a causa. Disse que “não precisava chegar a esse ponto” e lembrou que viveu de perto a dificuldade: sua própria mãe passou por tratamento de câncer fora de Araxá. Um gesto de empatia que, no entanto, contrasta com a prática recorrente de proteger o Executivo e segurar projetos de vereadores.
A polêmica da constitucionalidade
O presidente da Comissão de Justiça, Garrado, reforçou o coro do Executivo. Para ele, a proposta de Rodrigo do Comercial Aeroporto é “boa, mas inconstitucional”, porque criaria despesa continuada sem previsão no orçamento. Ele chegou a dizer que tentou convencer o vereador a retirar o texto para evitar desgaste.
Na contramão, o professor Jales fez defesa firme do projeto original. Disse que os pareceres da própria Câmara atestam a constitucionalidade e lembrou que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a possibilidade de vereadores apresentarem projetos que gerem despesa, desde que cumpridos requisitos técnicos. Jales pediu que os dois textos fossem “apensados”, ou seja, analisados juntos, evitando que a proposta de Rodrigo fosse simplesmente enterrada.
O que está em jogo
O contraste é claro. Rodrigo do Comercial Aeroporto defende reajuste imediato, abrangendo transporte, alimentação e diárias, com correção automática pela inflação. A administração Robson-Bosco limita o reajuste, deixa de fora o transporte e só garante os novos valores em 2026. A disputa, portanto, não é apenas jurídica, mas também política: quem assinará a lei que vai aliviar o sofrimento de dezenas de pacientes que dependem do TFD?
Enquanto isso, a população espera
Enquanto vereadores discutem regimento, prazos e vícios de iniciativa, os pacientes seguem recebendo R$ 8,40 para se alimentar fora de casa. Entre eles, pessoas com câncer, doenças raras e famílias inteiras que precisam se deslocar para manter a vida.
No fim, o saldo da sessão foi o mesmo de outras anteriores: nenhuma votação, nenhuma decisão prática. A mesa prometeu nova análise e adiou mais uma vez. Para o cidadão comum, porém, o resultado é só um: mais espera, mais incerteza e a sensação de que, em Araxá, a política anda devagar quando se trata de cuidar de gente.
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