top of page

O STF e a sombra do modelo chinês

  • Foto do escritor: Gi Palermi
    Gi Palermi
  • 12 de jun.
  • 4 min de leitura
“Um pouco na linha ‘nós todos somos admiradores do regime chinês’, né, do Xi Jinping, né, que diz assim: ‘A cor do gato não importa, o importante é que ele cace o rato’, né.”

Essa foi a fala de Gilmar Mendes, o mais antigo integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), ao defender a chamada "regulamentação" das redes sociais no Brasil. A maioria dos ministros já votou a favor: 6 a 1. Mas o que está por trás dessa metáfora do gato que caça o rato?


Traduzindo o que Gilmar disse: para o STF, não importa quem controla ou como controla as redes sociais. O importante é que alguém — qualquer um — controle. E esse controle não é qualquer controle: é o tipo admirado na China, onde o governo manda e desmanda sobre o que pode ou não ser dito na internet. É censura com crachá e crachá de censura.


De Pequim a Brasília


Gilmar Mendes usou uma frase famosa do ditador comunista chinês Deng Xiaoping para defender o controle das redes aqui no Brasil. E, com isso, escancarou uma verdade que muitos já vinham percebendo: o STF não está preocupado em proteger crianças, evitar discurso de ódio ou salvar a democracia. O foco, na prática, é silenciar quem critica o sistema e questiona os poderosos. É exatamente o que acontece na China, onde o governo diz que censura para garantir a “harmonia social” — mas a tal “harmonia” só vale quando todo mundo concorda com o Partido Comunista Chinês.


A comparação não é exagerada. A China tem o maior sistema de censura digital do mundo, apelidado de “Grande Firewall”. É uma verdadeira muralha online: bloqueia sites, apaga postagens, proíbe palavras e vigia tudo o que os cidadãos dizem na internet. Um comentário com a expressão “Quando a árvore cai, os macacos se espalham” é automaticamente apagado, porque pode ser entendido como uma crítica ao governo comunista. Esse é o tipo de controle que, nas entrelinhas, Gilmar e os demais ministros elogiaram — com exceção de André Mendonça, o único que votou contra até agora.


Pontuação social


Na China, a perseguição não para por aí. Existe ainda um sistema de “pontuação social”, que dá notas aos cidadãos com base no comportamento deles. Quem critica o governo perde pontos e pode ser impedido de viajar, conseguir um emprego ou até matricular os filhos numa boa escola. E o castigo se espalha: a nota ruim pode prejudicar até parentes e amigos do “infrator”. Parece exagero? Pois foi exatamente isso que Alexandre de Moraes fez quando mandou bloquear perfis da mãe e do filho da deputada Carla Zambelli. Mesmo sem ligação direta com o caso, os dois foram punidos. Coincidência? Não. É método.


Novo tribunal invisível


Com a decisão do STF, quem vai mandar no que pode ou não ser publicado agora são as plataformas digitais — como se fossem tribunais privados com juízes robôs. Esses algoritmos vão decidir se uma postagem é ofensiva, criminosa, perigosa ou aceitável. Mas como essas máquinas não têm capacidade real de entender contexto, vão acabar bloqueando tudo o que parecer suspeito, só para não correr risco. Vai ser como colocar um pitbull para guardar galinhas: na dúvida, ele ataca qualquer um que se mova.


É aí que entra o perigo: os algoritmos vão ser programados para caçar palavras e ideias proibidas. Pessoas e conteúdos serão banidos com base em etiquetas ideológicas. Críticas políticas, ideias conservadoras, opiniões religiosas ou até piadas podem ser derrubadas sem aviso. Isso tem nome: censura prévia. E é o retrato do sistema chinês aplicado com selo brasileiro.


Censura em números


Um estudo da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, analisou o que aconteceu em países como Alemanha, França e Suécia depois que regras parecidas foram adotadas por lá. O resultado assusta: entre 87,5% e 99,7% dos conteúdos removidos eram totalmente legais.


Sim, quase tudo o que foi apagado poderia ter ficado no ar, mas as plataformas preferiram deletar por medo de levar multa. Quem pagou o pato? Comentários contra a imigração, apoio a ideias conservadoras, posições religiosas, opiniões sobre vacinas. Nada disso era crime — mas tudo foi derrubado.


E o pior: ninguém explicou o motivo da remoção. Só aparecia uma mensagem genérica dizendo “violação das diretrizes”. Sem chance de defesa. Sem apelação. Um apagão seletivo da liberdade de expressão.


Liberdade regulada


O STF, com sua maioria formada, entregou o poder de decidir o que é certo ou errado nas redes às mãos das big techs — empresas estrangeiras que não têm nenhuma obrigação com a Constituição brasileira. Elas vão silenciar o que quiserem, do jeito que quiserem, e quem discordar que reclame para os robôs.


No fim das contas, a metáfora do gato está mais viva do que nunca. O gato do STF não se importa com sua cor — seja vermelho, amarelo ou até verde e amarelo. O que importa é que ele cace o rato. E se o “rato” for a sua opinião? A sua fé? O seu jeito de pensar? A sua liberdade? Não interessa, a ratoeira já está armada.


Porque quando o gato vira caçador de ideias, não sobra liberdade em lugar nenhum. E quem acha que está seguro, é bom lembrar: numa ditadura de silêncios, até quem obedece pode ser o próximo a calar.

Posts Relacionados

Ver tudo
Censura chinesa inspira Lula e STF

No mesmo dia em que o mundo relembra o massacre de Tiananmen, Lula, Janja e STF ecoam a sombra da censura nas redes sociais brasileiras.

 
 
 
Quando o xerife vira o bandido

Quando o ministro de uma corte resolve bancar o censor-mor da República, o problema não é quem ele cala hoje, mas quem poderá calar amanhã.

 
 
 

Comentários


Mais recentes

Arquivo

bottom of page